Sergio Leo Foundation, a maior organização, há décadas, pelo direito do leitor.

Nós, na Sergio Leo Foundation, a principal organização diletante do mundo luso-brasileiro em favor dos direitos de bem escrever e ler, temos certa dificuldade com datas e arquivos. Por isso, decididmos coletar alguns dos registros de nossas atividades, para o caso de alguma autoridade percuciente decidir nos dar alguma condecoração. Facilitar a vida dos amigos, dentro da lei e da ética, é um de nossos lemas.

Seguem/sigam os registros:

A Sergio Leo Foundation, reputada instituição de defesa dos direitos dos leitores, lançou nesta semana, em sua reunião anual nas ilhas Maldivas, a campanha internacional pelo guilhotinamento da expressão “troca de farpas” e o banimento de seu uso para noticiar broncas entre políticos e outras personalidades.

Recente descoberta de remanescentes de um hominídeo de 260 mil anos na África do Sul, que levou a uma reavaliação da antiguidade da presença humana no planeta, constatou também que a expressão já constava entre os rudimentos da linguagem dessa espécie de primata, como comprovaram testes de datação com Carbono 14. Farpas de pedra lascada encontradas ao lado do crânio e ossos de outros hominideos foram apresentadas pelos arqueólogos como prova da descoberta.

“Um dia essa apropriação cultural teria de ter um fim”, obtemperou o CEO da SL Foundation, o sr. Oliveira, que confessou ter, ele próprio, o hábito, hoje abandonado, da troca de farpas e de outras trocas com amigos do curso ginasial, na infância, em Ariquemes, Rondônia.

A Sergio Leo Foundation, principal instituição da rede mundial de defesa do leitor, cogita iniciar uma campanha pela adoção de uma política de cotas nos textos em língua portuguesa, em favor das palavras de três letras.

A medida compensatória foi sugerida pelo CEO da entidade, Oliveira, o canalha da redação, como solução contra a discriminação linguística que faz a imprensa barrar obsessivamente palavras como “fez”ou “pôr” em favor de vocábulos letrosos como “realizou” ou “colocar”.

O preconceito contra palavras curtas é uma das razões do erro comum que povoa os textos brasileiros com milhares de “ao invés de” (sinônimo de “ao contrário”) em situações nas quais se deveria escrever “em vez de” (ou “no lugar de”). Mas o privilégio concedido a “colocar” é um dos vícios mais odiosos alimentados pela falsa meritocracia linguística, sempre disposta a tirar da sala as palavrinhas pobres de letras.

Co-locar, pôr em um lugar determinado, junto a algo. Vem do latim collocare, do casamento em comunhão de bens entre o prefixo “con” (junto, próximo de), e o verbo “locare”, de locus, lugar. Por isso o sol se põe, não se coloca. Não se coloca distância entre as pessoas que brigam muito no Facebook, põe-se. Ninguém coloca azeite na comida, a menos que tenha TOC e disponha gotinhas cuidadosamente em locais determinados da salada de tomate, por exemplo.

E as redações deveriam ter cartazes para explicar que não se deve pôr o verbo colocar quando se fala, como no jornal, hoje, na decisão parlamentar de pôr alguma coisa em votação.

“Se bem que, vendo essas leis que a turma quer enfiar goela abaixo da patuléia, dá vontade de mandar os parlamentares colocar certos projetos ‘naquele’ lugar”, pondera Oliveira, sempre pondo um grão de sal na ortodoxia da semântica normativa.

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MEMORANDO DA SERGIO LEO FOUNDATION (a mais inclusiva e capilarizada organização de defesa dos direitos do leitor na comunidade de língua portuguesa)

Aos senhores e senhoras encarregados de redação, vamos combinar:

As pessoas falam, dizem, declaram, comentam, afirmam, sugerem, insinuam, ressaltam, reafirmam, acusam, lembram, detalham, enfatizam, criticam, respondem, contestam, negam, apoiam, questionam, perguntam, concluem.

Quando se manifestam, elas “pontuam” ao exercer a difícil arte de expressar, na língua escrita, com sinais gráficos, o andamento rítmico e melódico da língua falada.

Ou, em bom português, em matéria de expressão humana, “pontuar” é marcar o texto com pontos, vírgulas, travessões, parênteses e todos os outros sinais criados pela imaginação, para tentar reproduzir, na leitura, as pausas, ênfases e outros meandros de nossa fala. Ponto.

Para representar manifestações das pessoas, há uma infinidade de verbos mais adequados, e que dão maior elegância aos textos, hoje poluídos por vícios inexplicáveis como o mau uso da palavra que inspirou esse post.

E, pelo jeito, há guerra no país. Não pode ser outro o motivo para a tv a cabo ter dito, há pouco, que “caiu como uma bomba” no Congresso a sentença do juiz que está há anos deixando claro que iria dar essa sentença que deu, contra o ex-presidente envolvido em denúncias que ele, juiz, resolveu mandar para a prisão por considerar sua principal missão na ordem das coisas.

A Sergio Leo Foundation, entidade internacional de defesa do leitor, no momento reunida em seu congresso quinquenal às margens da Documenta de Kassel, na Alemanha, divulgou nota em que lamenta, mais uma vez, o uso descabido de metáforas bélicas já condenadas pela Convenção de Viena e consideradas jornalismo insalubre pela Convenção 222 da Organização Internacional do Trabalho.

Provocou algum debate a proposta de divulgar também uma declaração de repúdio à veiculação de comentários de mau gosto relacionando a sentença do juiz a amputação provocada por acidente de trabalho no réu ex-sindicalista. Mas venceu a tese de que o tema está fora do escopo da nossa instituição por não se tratar de um lugar comum, e sim manifestação de uma rara pobreza de espírito.

“Nem tão rara assim”, fez questão de lavrar em ata nosso CEO, Oliveira, o canalha da redação.

Oliveira, o canalha da redação, CEO da Sergio Leo Foundation, a maior entidade latino-americana de defesa dos direitos do leitor, quer uma ação imediata contra o ministro da Saúde, que classificou o Brasil, hoje, como “o pais que melhor performa” nessa pandemia.

Comentei que, performático, aliás, o ministro fez malabarismos com números. Provavelmente tirados do instituto OoMA (muito usado pelos bolsonaristas, o renomado provedor de dados Out of My Ass).

“Não tira o foco!”, repreende Oliveira. “Vamos reagir à altura! Prepare aí uma nota de repúdio!”

Momento de emoção na Sergio Leo Foundation, a mais longeva organização em defesa do leitor no Hemisfério Ocidental, que acaba de entronizar uma foto do tradutor Paulo Migliacci, da Folha, em sua galeria de modestos heróis anônimos.

A SL Foundation, ao contrário do que podem pensar alguns apressados, não é uma inimiga figadal dos neologismos e anglicismos, em favor das palavras de legítima raiz lusitana. Só nos batemos contra as violências.

Jamais faríamos, por exemplo, campanha para substituir futebol por ludopédio, como se chegou a propor no século passado. E achamos até engraçadinho o verbo estressar, nós que nascemos no tempo em que as pessoas ainda ficavam estafadas.

Mas, de uns tempos para cá, a turma que aprende a lidar com a vida em manuais mal lidos de inglês começou a “estressar”argumentos, quando quer “enfatizar”. Isso, na SL Foundation, dá azia na hora do chá e processo judicial.

Há, portanto, um acordo tácito na administração de nossa entidade: “stress” é beneficiada por nosso costume brasileiro de acolher os imigrantes que tanto enriquecem nossa cultura. Essa relação esquizofrênica com a palavra levou o conselho da SL Foundation a admitir sem muito espanto referências a “teste de estresse” nos bancos, feitos regularmente pelas autoridades monetárias, no esforço para evitar encrencas como as que levaram o sistema bancário dos EUA às cordas, quase dez anos atrás.

(Pausa etimológica: todos que nos lêem sabem, decerto, a origem da palavra encrenca: herança das bravas imigrantes de origem alemã _ ou polonesa _ que exerciam no velho Rio de Janeiro o ofício de atendimento a carências masculinas e avisavam umas às outras quando um cliente trazia alguma doença _ “ein krank” _ daquelas transmissíveis nos embates amorosos. “Essa história é sinal de que os encrenqueiros podem até fazer de nosso país uma zona, mas sobreviverá a tradição da sororidade”, comenta nosso CEO, Oliveira, o canalha da redação. Fim da pausa, Voltemos à crise bancária)

O nosso herói Paulo Migliacci traduz hoje na Folha uma matéria do Financial Times sobre os desejos da doentia turma de Trump, de enfraquecer as medidas criadas na crise financeira para evitar novas peraltices nos bancos de lá. Num dado trecho, a Folha fala não em teste de estresse, mas em “testes de desgaste”.

Achamos uma tradução bacana, como ninguém fez isso antes?

Uma pequena palavra para o jornal, mas um grande passo na luta inglória para valorizar as belas palavras que enriquecem nossa língua tão fértil. Um herói, o Paulo, e todo aquele capaz de parar a leitura de um texto estrangeiro para refletir sobre como aproximá-lo da nossa fala cotidiana. Um desgaste a menos para reduzir o estresse cá na nossa combativa fundação, viva o Paulo.

Na Sergio Leo Foundation, organização sem rival na defesa dos direitos do leitor, as sessões de leitura ou audiência com gente de tecnologia ganharam status de investigação antropológica. A língua dos tecnocratas é toda uma cultura exótica de tribos isoladas pela especialização extrema.

Nosso CEO, Oliveira, o canalha da redação, sempre disposto a agasalhar a subversão, defende que, por vias tortas, alguns dos barbarismos dessa gente ganharão, um dia, crachá para circular livremente pela lingua portuguesa.

Ele lembrou disso hoje, ao ouvirmos um especialista em sistemas de informática que danou a falar em “inputar” dados aqui e ali. Chegamos a pensar que se tratava do velho “imputar” – aquele bem conhecido dos procuradores da República que imputam velhacarias a quem lhes cai em desgraça, com provas ou sem elas, na mais obstinada convicção.

Imputar é atribuir algo negativo a alguém, como já fazíam até poetas da Antiguidade, em latim. Já IN-putar é um anglicismo sem vergonha e vem da turma que, em matéria de literatura, é mais chegada a um manual técnico em inglês, a língua dos HDs, dos chips e do marketing. Vem de input. No tempo em que se falava em português, era aquela ação chamada pelos executivos “introduzir”, ou “inserir” _ ou, como sugere Oliveira, “meter”.

“Mas veja a beleza da coisa!”, defende Oliveira, esse pilantra vira-casacas. “Imputar, no latim, vem de imputare, que, na origem, tinha N, ‘in putare’; in, de ‘em’ e ‘putare”, pensar, calcular, deduzir; veja que lindo!”

Lindo o que, Oliveira?

“Ora, o ‘putare’ de imputar e o mesmo que foi parar em computação ! O computa-dor, onde esses caras ficam in-putando as coisas!”, berra, saltitante, nosso CEO. “A palavra imputar ainda será conduzida coercitivamente pelo voto popular a um novo significado, corrompendo a etimologia, mas por uma boa causa!”

Acho que o patife está gozando da minha cara. E ele argumenta que eu precisaria de mais inputs para imputar a ele essa leviandade.

Que input uma pinóia. Preciso de mais “insumos”, de mais “aportes”, ô Oliveira.

Na verdade, preciso é de um esconderijo para enfiar o puro malte que estava reservado só para nossas reuniões de sexta-feira. Esse CEO está se tornando um in-conveniente.

Em breve mais registros dos anais (opa) da Sergio Leo Foundation. Aguarde!

Sobre sergioleo

Escritor, Jornalista, artista plástico
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